sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Casamento


“Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como "este foi difícil"
"prateou no ar dando rabanadas"
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
(...)
somos noivo e noiva.”

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Mulher


Sobre a mulher, a escritora Simone de Beauvoir afirma: "Não se nasce mulher: torna-se.” Enquanto para a visão do grande escritor português, José Saramago, no “El Tiempo” em 2007, desabafa: "Se virmos a realidade, as mulheres são mais sólidas, mais objetivas, mais sensatas. Para nós, são opacas: olhamos para elas, mas não conseguimos entrar lá dentro. Estamos tão empapados de uma visão masculina, que não entendemos. Em contrapartida, para as mulheres nós somos transparentes. O que me preocupa é que, quando a mulher chega ao poder, perde isso tudo."

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

O Amor no Éter


*“Há dentro de mim uma paisagem entre meio-dia e duas horas da tarde. Aves pernaltas, os bicos mergulhados na água, entram e não neste lugar de memória, uma lagoa rasa com caniço na margem. Habito nele, quando os desejos do corpo, a metafísica, exclamam: como és bonito! Quero escrever-te até encontrar onde segregas tanto sentimento. Pensas em mim, teu meio-riso secreto atravessa mar e montanha, me sobressalta em arrepios, o amor sobre o natural. O corpo é leve como a alma, os minerais voam como borboletas.(...)”

*Adélia Prado

Com licença poética


*”Quando nasci um anjo esbelto, desses que tocam trombeta, anunciou: vai carregar bandeira. Cargo muito pesado pra mulher, esta espécie ainda envergonhada. Aceito os subterfúgios que me cabem, sem precisar mentir. Não tão feia que não possa casar,(...). Mas, o que sinto escrevo. Cumpro a sina. Inauguro linhagens, fundo reinos (dor não é amargura). Minha tristeza não tem pedigree, já a minha vontade de alegria, sua raiz vai ao meu mil avô. Vai ser coxo na vida, é maldição pra homem. Mulher é desdobrável. Eu sou.”

*Adélia Prado

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Amizade


Pensamentos de *George Eliot, pseudônimo de Mary Ann Evans, uma novelista autodidata britânica. O seu primeiro trabalho literário, foi a tradução da Vida de Jesus de David Strauss, (1844). Usando sua sensibilidade, tema principal dos seus romances é a vida das pessoas simples:

*“A amizade é o conforto indescritível de nos sentirmos seguros com uma pessoa, sem ser preciso pesar o que se pensa, nem medir o que se diz.”

*“Talvez as melhores amizades sejam aquelas em que haja muita discussão, muita disputa e mesmo assim muito afeto.” 

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Fui mirar-me


*“Fui mirar-me num espelho
e era meia-noite em ponto.
Caiu-me o cristal das mãos
como as lembranças do sono.
Partiu-se o meu rosto em chispas
como as estrelas num poço.
Partiu-se meu rosto em cismas
- que era meia-noite em ponto.

Dizei-me se é morte certa,
que me deito e me componho,
fecho os olhos, cruzo os dedos
sobre o coração tão louco.
E digo às nuvens dos anjos:
"Ide-vos pelo céu todo,
avisai a quem me amava
que aqui docemente morro.”

De “Fui Mirar-me” de *Cecília Meireles.

Brâmane


“Plena mata. Silencio. Nem um pio
De ave ou bulir de folha. Unicamente
Ao longe, em suspiros murmúrio,
Do Ganges rola a fulgida serpente.

Sem ter no pétreo corpo um arrepio,
Nu, braços no ar, de joelhos, fartamente,
Esparsa a barba ao peito, na silente
Mata, o Brâmane sonha. Pelo estio,

Ao sol, que os céus abrasa e o chão calcina,
Impassível, a silaba divina
Murmura...E a cólera hibernal do vento

Não ousa à barba estremecer um fio
Do esquelético hindu, rígido e frio,
Que contempla, extasiado, o firmamento.” 

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Farei tudo


*“Desde sempre te amei
e bem sabes que ainda te amo.
Devo esperar toda a vida?
Se quiseres — esperarei.

Se alguma vez te vi
nem sequer teu nome escutei.
Mas isso não faz diferença:
sempre a mesma coisa sentirei.

Eu te amarei por todo o sempre, sempre,
desde a raiz do meu coração
e te amarei quando estivermos juntos
e te amarei na solidão.

Quando finalmente te encontrar
tua canção envolverá o espaço.
Canta bem alto, para eu escutar.
Tudo farei (...)”

*Composição de “Beatles", tradução: Carlos Drummond.

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Potência


"Ai, palavras, ai, palavras,
que estranha potência, a vossa!
Ai, palavras, ai, palavras,
sois de vento, ides no vento,
no vento que não retorna,
e, em tão rápida existência,
tudo se forma e transforma!

Sois de vento, ides no vento,
e quedais, com sorte nova!

Ai, palavras, ai, palavras,
que estranha potência, a vossa!

Todo o sentido da vida
principia à vossa porta;
o mel do amor cristaliza
seu perfume em vossa rosa;
sois o sonho e sois a audácia,
calúnia, fúria, derrota...”


Trecho: “Romance das Palavras Aéreas”

Ai


*“Ai, palavras, ai, palavras,
mirai-vos: que sois, agora?
- Acusações, sentinelas,
bacamarte, algema, escolta;
- o olho ardente da perfídia,
a velar, na noite morta;
- a umidade dos presídios,
- a solidão pavorosa;
- duro ferro de perguntas,
com sangue em cada resposta;
- e a sentença que caminha,
- e a esperança que não volta,
- e o coração que vacila,
- e o castigo que galopa...

Ai, palavras, ai, palavras,
que estranha potência, a vossa!”

Parte do poema “Romance das Palavras Aéreas” de *Cecília Meireles.

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Voar


*“Somos donos de nossos atos,
mas não donos de nossos sentimentos;
Somos culpados pelo que fazemos,
mas não somos culpados pelo que sentimos;
Podemos prometer atos,
mas não podemos prometer sentimentos...
Atos sao pássaros engailoados,
sentimentos são pássaros em vôo.”

*“No fim tu hás de ver que as coisas mais leves são as únicas que o vento não conseguiu levar: um estribilho antigo, um carinho no momento preciso, o folhear de um livro de poemas, o cheiro que tinha um dia o próprio vento...”

Pensamentos de *Mário Quintana.

Ensinamento


*“Minha mãe achava estudo
a coisa mais fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo é o sentimento.
Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,
ela falou comigo:
“Coitado, até essa hora no serviço pesado”.
Arrumou pão e café , deixou tacho no fogo com água quente.
Não me falou em amor.
Essa palavra de luxo.”

Poesia da escritora *Adélia Prado, nasceu em 1935. Ela é escritora e professora por formação. Revitalizou a literatura inserindo a mulher como intelectual, mesmo acumulando as funções domésticas.

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Não há vagas


*“O preço do feijão
não cabe no poema. 

O preço do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão

(...)
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras

- porque o poema, senhores,
está fechado:
“não há vagas”

Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço

O poema, senhores,
não fede
nem cheira.”

*Ferreira Gullar

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Liberdade


“*É se sentir livre
É não mentir e poder sempre dizer a verdade
É fazer tudo quando der vontade
É poder sorrir sempre

Liberdade é ter sempre
Um grande poder de serenidade
De forma que possamos ter um, a identidade
Que esta dentro de nos e se descobre

Liberdade é não ter medo
Mas ter sim o respeito
(...)

Liberdade é um sentimento de contentamento
Ser livre não se significa ter tudo mas um bocado
Para poder mostrar o valor da força do pensamento.”

Poema de *Mário Quintana

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Humildade


*“Tanto que fazer!
livros que não se leem, cartas que não se escrevem,
línguas que não se aprendem,
amor que não se dá,
tudo quanto se esquece.

Amigos entre adeuses,
crianças chorando na tempestade,
cidadãos assinado papéis, papéis, papéis...
até o fim do mundo assinando papéis.

E os pássaros detrás de grades de chuva,
e os mortos em redoma de cânfora.

(E uma canção tão bela!)

Tanto que fazer!
E fizemos apenas isto.
E nunca soubemos quem éramos
nem para quê.”

Poema de *Cecília Meireles publicado em 1964.

Tempo


Tudo tem seu tempo determinado e propósito debaixo do céu, segundo Eclesiastes: "Há tempo de ficar triste e tempo de se alegrar; tempo de chorar e tempo de dançar; tempo de espalhar pedras e tempo de ajuntá-las; tempo de abraçar e tempo de afastar. Há tempo de procurar e tempo de perder; tempo de economizar e tempo de desperdiçar; tempo de rasgar e tempo de remendar; tempo de ficar calado e tempo de falar. Há tempo de amar e de odiar; tempo de guerra e tempo de paz."

Meu coração


“(...)

Meu coração não sabe.
Estúpido, ridículo e frágil é meu coração.
Só agora descubro
como é triste ignorar certas coisas.
(Na solidão de indivíduo
desaprendi a linguagem
com que homens se comunicam.)

Outrora escutei os anjos,
as sonatas, os poemas, as confissões patéticas.
Nunca escutei voz de gente.
Em verdade sou muito pobre.

Outrora viajei
países imaginários, fáceis de habitar,
ilhas sem problemas, não obstante exaustivas e convocando ao suicídio.

(...)”

Parte do poema “Mundo Grande”, nele não cabe as dores do coração, *Carlos Drummond de Andrade.

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Por sorte


*“Nem todas as flores tem a mesma sorte, umas enfeitam a vida e outras enfeitam a morte. Colha o dia como se fosse um fruto maduro que amanhã estará podre. A vida não pode ser economizada para amanhã. Acontece sempre no presente. Por mais independente que a pessoa seja, ela sempre vai precisar do ar pra viver. Sonhe com a vida, mas não perca a vida por um sonho.”

Pois é, as oportunidades não vêm de fora, somos nós quem as fazemos acontecer. Tais palavras de *Bob Marley.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Surpresa


*“Minha vida não foi um romance...
Nunca tive até hoje um segredo.
Se me amar, não digas, que morro
De surpresa... de encanto... de medo...

(...)

Minha vida não foi um romance...
Pobre vida... passou sem enredo...
Glória a ti que me enches de vida
De surpresa, de encanto, de medo!

Minha vida não foi um romance...
Ai de mim... Já se ia acabar!
Pobre vida que toda depende
De um sorriso.. de um gesto.. um olhar...”

*Mário Quintana: “Se me amar, não digas, que morro
De surpresa...”

domingo, 10 de agosto de 2014

Árvores da infância


*”Sob as altíssimas árvores da infância passearemos.
O nosso conhecimento está fora de quaisquer acasos.
Jamais saberíeis pronunciar o nome que atualmente uso.
O rosto que levamos nada tem com os acontecimentos.

Ah! somente as árvores da infância, altíssimas, nos reúnem agora:
houve um tempo anterior, de luz, de cristal, de pureza, de afeto?
Quem quer que sejamos, só nos entendemos por essas auréolas
que pairam sobre nós, translúcidas, fluidas, hesitantes à brisa.”


Parte do belo poema “Sob as árvores da infância, altíssimas, passaremos” da escritora *Cecília Meireles.

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

As peras


*“(...)
As peras, no prato,
apodrecem.
O relógio, sobre elas,
mede
a sua morte?
Paremos a pêndula. De-
teríamos, assim, a
morte das frutas
Oh as peras cansaram-se
de suas formas e de
sua doçura ! As peras,
concluídas, gastam-se no
fulgor de estarem prontas
para nada.
O relógio
não mede. Trabalha
no vazio: sua voz desliza
fora dos corpos.
(…)”

Pela significação das palavras de *Fernando Gullar no seu “Poema Sujo” produzido no exilo em Buenos Aires, faz eu viajar e me leva lembrar a minha infância.

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Evasão


*”Sou um evadido.
Logo que nasci
Fecharam-me em mim,
Ah, mas eu fugi.

Se a gente se cansa
Do mesmo lugar,
Do mesmo ser
Por que não se cansar?

Minha alma procura-me
Mas eu ando a monte,
Oxalá que ela
Nunca me encontre.

Ser um é cadeia,
Ser eu não é ser.
Viverei fugindo
Mas vivo a valer.”

Vivo fugindo, o que importa, se vivo pra valer... “Viajar! Perder países! Ser outro constantemente, Por a alma não ter raízes De viver de ver somente!” também de *Fernando Pessoa.

Alma, por Pessoa


*“Como é por dentro outra pessoa
Quem é que o saberá sonhar?
A alma de outrem é outro universo
Com que não há comunicação possível,
Com que não há verdadeiro entendimento.

Nada sabemos da alma
Senão da nossa;
As dos outros são olhares,
São gestos, são palavras,
Com a suposição de qualquer semelhança
No fundo.”


O que entendemos da alma dos outros é o que imaginamos, apenas, pois é um outro universo que não conhecemos. Tal expressa a poesia do escritor português *Fernando Pessoa, em Poesias Inéditas (1930-1935).

Sorte


*“As coisas que errei na vida
São as que acharei na morte,
Porque a vida é dividida
Entre quem sou e a sorte.

As coisas que a Sorte deu
Levou-as ela consigo,
Mas as coisas que sou eu
Guardei-as todas comigo.

E por isso os erros meus,
Sendo a má sorte que tive,
Terei que os buscar nos céus
Quando a morte tire os véus
À inconsciência em que estive.”

“Só a morte revelará quem fomos em vida inconscientes”. Pelas palavras de *Fernando Pessoa in Novas Poesias Inéditas.

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Agosto


*"Para atravessar agosto é preciso antes de mais nada paciência e fé. Paciência para cruzar os dias sem se deixar esmagar por eles, mesmo que nada aconteça de mau; fé para estar seguro, o tempo todo, que chegará setembro — e também certa não-fé, para não ligar a mínima às negras lendas deste mês de cachorro louco. É preciso quem sabe ficar-se distraído, inconsciente de que é agosto, (...)Então dizer mentalmente ah!, (...)e ir em frente. Este é um ponto importante: ir, sobretudo, em frente.”

*Caio Fernando de Abreu

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Felicidade

Por Lislair Leão Marques

*“Que a felicidade não dependa do tempo, nem da paisagem, nem da sorte, nem do dinheiro. Que ela possa vir com toda simplicidade, de dentro para fora, de cada um para todos. Que as pessoas saibam falar, calar, e acima de tudo ouvir. Que tenham amor ou então sintam falta de não tê-lo. Que tenham ideais e medo de perdê-lo. Que amem ao próximo e respeitem sua dor. Para que tenhamos certeza de que: Ser feliz sem motivo é a mais autêntica forma de felicidade”.

Palavras via *Drummond.

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Fé solúvel


*Ӄ... meu computador
Apagou minha memória
Meus textos da madrugada
Tudo o que eu já salvei

E o tanto que eu vou salvar
Das conversas sem pressa
Das mais bonitas mentiras

Hoje eu não vivo só... em paz
Hoje
eu vivo em paz sozinho
Muitos passarão
Outros tantos passarinho
Muitos passarão

Que o teu afeto me afetou é fato
Agora faça me um favor

Um favor... por favor

A razão é como uma equação
De matemática... tira a prática
De sermos... um pouco mais de nós!”

*Mário Quintana