segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Trabalho


*“Existe o trabalho do homem, a ascese, a liberdade do homem e, ao mesmo tempo, a graça. É como o pássaro que, para voar, tem necessidade de duas asas, ou seja, de sua liberdade, de seu trabalho interior e, ao mesmo tempo, da graça, isto é, da nascente que jorra em direção seu esforço – ao ato de escavar. Por um lado, o trabalho do homem procura Deus, por outro, como Fonte de água viva, Deus empenha-se unicamente em comunicar-se e manifestar-se a cada um de nós.”


*Yves Le-Loup

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Oferecimento de si mesmo


Por Lislair Leão Marques

*“Tomai Senhor e recebei toda a minha liberdade. A minha memória também. O meu entendimento e toda a minha vontade. Tudo o que tenho e possuo, vos me deste com amor. Todos os dons que me destes, com gratidão, vos devolvo. Disponde deles, Senhor, segundo a vossa vontade. Daí-me somente o vosso amor, vossa graça. Isto, me basta. Nada mais quero pedir.” ...mas, Senhor, que não acabe nunca a areia do mar, o rumor das águas, o relâmpago do céu.

Oração pelas palavras do *Santo Inácio de Loyola.

A arte da atenção


Por Lislair Leão Marques

A atenção constitui um momento único em que o coração e a inteligência podem estar juntos. Ela é a prece natural da nossa alma. É mudar e se transformar. Ela nos faz voltar do exílio que é o esquecimento do Ser. A atenção pode, ainda, nos deixar sair do inferno – pois, esse é a ausência da misericórdia –. Observe, então, a fim de elevares ao conhecimento. Veja, se queres prestar atenção a Deus, preste atenção a ti mesmo. Pensares de Jean Yves Le-Loup em “A arte da atenção”.

Sede passantes


Por Lislair Leão Marques

Só o amor é o mais forte, pois quem ama, compreende. Quem compreende, perdoa. O amor é mais forte do que a tolice. O amor é mais forte do que o sofrimento. O amor é mais forte do que a morte. Se possuirmos esse entendimento, essa fé, a adesão ao ser essencial, essa luz que não poderá ser simplesmente extinta, transformaremos o que não nos tem saída, as pedras que encontramos ou nossos muros que às vezes nós próprios criamos, em caminhos e lugares de passagem. Sede passantes.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Amarelinha


Por Lislair Leão Marques

*Procuro o céu insistentemente
como toda a gente,
jogando com a vida
como uma pedrinha
na amarelinha.
De pulo em pulo,
um só pé no chão,
sinto a realidade.
A outra metade é sonho, ilusão.
Assim me equilibro com dificuldade.
Se a pedra cai fora,
então recomeço.
Se a pedra cai dentro,
me ajeito e me apresso.
A meta é no alto
e de salto em salto
disputo comigo.
Às vezes me alegro,
às vezes me exalto.
Será que eu consigo?


Poema de autoria da poetisa *Flora Figueiredo.

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Paciência

Por Lislair Leão Marques

*(...)
Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
(...)

*Drummond

Procura da Poesia

Por Lislair Leão Marques 

*(...)Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.


Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?

Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.

Parte do poema “Procura da Poesia” do poeta *Carlos Drummond de Andrade.

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Indigestão


Por Lislair Leão Marques

Desencantei-me de ti pela tua falta de atenção. Não sei porquê, se é fato, mal me desejaste. Mas veja bem, eu estou acordada! Antes de tudo, que tudo se transforme em pedra, que as minhas palavras de sal molhem o teu telhado. Espera! Espera! Espera antes que a pedra se consolide. Porque se me desejaste mal e pedra não consigo mais digerir. Aí... não mais me representas. Por tuas marcas e sinais, assim demonstras que isto o quer. Estou acordada, atente-se... desencantei-me de ti pelo teu sôfrego ser.

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Arquitetura Sobrevivente

Por Jacques Duarte Cassel

Poesia vencedora, no Concurso Literário “Arquitetura de Caçapava do Sul em 88 palavras”– 183 anos”

Guardiões do Tempo


Por Oldemar Santos

Crônica vencedora, no Concurso Literário “Arquitetura de Caçapava do Sul em 88 palavras”– 183 anos”

O moderno e o clássico se misturam nas cores e arquitetura da cidade. Em alguma casa ainda pode ter um retrato na parede emoldurado pelo tempo. Os gritos de heróis e anti-heróis estão enclausurados nas brechas dos paredões dos casarões do início do século. Poucos restaram é verdade, não estamos conseguindo cuidar da nossa identidade. A paisagem se modifica através do tempo e o homem não tem força e coragem para apreciar sem mexê-la, apenas contemplando o que outros nos entregaram de herança como guardiões de uma época.

Arquitetura em Cena


Por Jacques Duarte Cassel

Crônica classificada, no Concurso Literário “Arquitetura de Caçapava do Sul em 88 palavras”– 183 anos”

Gravando! Imaginemos uma grua com uma câmera filmando, com suavidade, o Forte Dom Pedro Segundo. Faz tomadas de todos os planos. De dia, na primavera e verão, inclui as andorinhas em voos circulares; à noite pode detectar uma lua cheia avermelhada emergindo na altura de suas paredes. Desloca-se em direção ao centro de Caçapava e registra a Igreja Matriz, seus anjos e as pombas que a circundam. Prossegue até a Casa dos Ministérios: desolação. Vai adiante, sondando, com zoom, antigas edificações, revelando-nos detalhes de uma arquitetura de cinema.

A Arquitetura de Caçapava no Futuro

Por Lislair Leão Marques

O verde de mansinho se expande... arbustos e árvores acobertam as ruínas edificadas de cor ocre e cheiro insalubre. Quadrados edifícios se apoderam nas quadras da cidade e se configuram o progresso da cidade. Caçapava do Sul, nestes tempos, quer ser cosmopolita e desenvolvida a qualquer resultado. Mesmo que para tal condição, a demolição e desatenção de antigas casas, cujo valor é inestimável para memória dos caçapavanos – que não se entregaram em outras eras – sejam demolidas. Isto é um estilo arquitetônico, que certamente falarão as nossas gerações precursoras.

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

O que me toca

Por Lislair Leão Marques 

Dos tantos livros que li, nossa memória extrai nome e autores de poucos. Aqueles que como as pessoas, nos marcam. Não sei o motivo que se revela, mas nos tornamos íntimos destas coisas ou pessoas na maneira que nos tocam. Claro que esta intimidade diz muito o quem somos ou da nossa vida. Marcar é tocar os meus sentidos. Por exemplo: os livros que me marcaram para sempre foram os que me libertaram ou transformaram minha percepção. O que nos toca é aquilo que nos liberta o olhar.

sábado, 11 de outubro de 2014

Liberdade


Sempre é bom rever *Rui Barbosa, em época de eleições:

“A especulação é no comércio uma necessidade; é nos abusos, uma inconveniência; mas entre as inconveniências dos abusos e a necessidade do uso, esta, em todos os casos dessa espécie a liberdade, que deve ser respeitada, porque se em nome de abusos possíveis nos quiserem tirar a liberdade do uso, talvez não nos deixem água para beber.”

“Não é a terra que constitui a riqueza das nações, e ninguém se convence de que a educação não tem preço".

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Murmúrio


*“Traze-me um pouco das sombras serenas 
que as nuvens transportam por cima do dia!
Um pouco de sombra, apenas,
- vê que nem te peço alegria.

Traze-me um pouco da alvura dos luares
que a noite sustenta no teu coração!
A alvura, apenas, dos ares:
- vê que nem te peço ilusão.

Traze-me um pouco da tua lembrança, 
aroma perdido, saudade da flor!
- Vê que nem te digo - esperança!
- Vê que nem sequer sonho - amor!”

Poema da poetisa *Cecília Meireles que nasceu em 7/11/1901.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Primeiro motivo


*“Vejo-te em seda e nácar,
e tão de orvalho trêmula, que penso ver, efêmera,
toda a Beleza em lágrimas
por ser bela e ser frágil.

Meus olhos te ofereço:
espelho para face
que terás, no meu verso,
quando, depois que passes,
jamais ninguém te esqueça.
Então, de seda e nácar,

toda de orvalho trêmula, serás eterna. E efêmero
o rosto meu, nas lágrimas
do teu orvalho … E frágil.”

Lindo poema que tem como título “Primeiro o Motivo da Rosa” da grande escritora e poetisa brasileira *Cecília Meireles.

Retrato


*“Eu não tinha este rosto de hoje,
Assim calmo, assim triste, assim magro,
Nem estes olhos tão vazios,
Nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
Tão paradas e frias e mortas;
Eu não tinha este coração
Que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
Tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
a minha face?”

Poema da escritora brasileira *Cecília Meireles encontrado na Obra poética, Volume 4, Biblioteca luso-brasileira: Série brasileira. Companhia J. Aguilar Editora, 1958, p. 10.

terça-feira, 30 de setembro de 2014

Para sempre


“Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
(...)
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
- mistério profundo -
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.”

Inconfesso desejo


*“Queria ter coragem
Para falar deste segredo
Queria poder declarar ao mundo
Este amor
Não me falta vontade
Não me falta desejo
Você é minha vontade
Meu maior desejo
Queria poder gritar
Esta loucura saudável
Que é estar em teus braços
Perdido pelos teus beijos
Sentindo-me louco de desejo
Queria recitar versos
Cantar aos quatros ventos
As palavras que brotam
Você é a inspiração
Minha motivação
Queria falar dos sonhos
Dizer os meus secretos desejos
Que é largar tudo
Para viver com você
Este inconfesso desejo.”

*Carlos Drummond

sábado, 27 de setembro de 2014

Retrospectiva


“Porque a vida é feita de proibições,
eu não compus todas as canções,
não percebi a brisa suspirar,
eu esqueci cantigas de ninar,
dei chances demais à voz dos credos,
não rompi de vez todos os medos,
roubei do tempo um tanto de carinho,
não vi a flor amar o passarinho,
perdi o trem na curva da vertente
e não deixei o mel melar completamente.
Porque a vida é feita de proibições,
(...)
rompa-se a teia, reveja-se o estatuto,
que a primavera quer amar o chão de vento.”

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Humanitismo

“Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As batatas apenas chegam para alimentar uma das tribos, que assim adquire forças para transpor a montanha e ir à outra vertente, onde há batatas em abundância; mas, se as duas tribos dividirem em paz as batatas do campo, não chegam a nutrir-se suficientemente e morrem de inanição. A paz, nesse caso, é a destruição; a guerra é a conservação. Uma das tribos extermina a outra e recolhe os despojos.(...)ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.”

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

A flor e náusea


“Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio,
paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.
Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. (...)
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

(...)”

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Boato da Primavera


“*Chegou a primavera? Que me contas!
Não reparei. Pois afinal de contas
nem uma flor a mais no meu jardim,
que aliás não existe, mas enfim
essa ideia de flor é tão teimosa,
que no asfalto costuma abrir a rosa
e põe na cuca menos jardinília
um jasmineiro verso de Cecília.
Como sabes, então, que ela está aí?
Foi notícia que trouxe um colibri
ou saiu em manchete no jornal?
Que boato mais bacana, mais genial,
esse da primavera? (...)”

Do poema "Boato da Primavera" de *Carlos Drummond.

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Magrelinha


*“O por do sol vai renovar brilhar de novo o seu sorriso
E libertar da areia preta e do arco-íris cor de sangue, cor de sangue...
O beijo meu vem com melado decorado cor de rosa
O sonho seu vem dos lugares mais distantes terras dos gigantes (...), 
super eu...
Deixa tudo em forma é melhor não sei
Não tem mais perigo digo já não sei
Ela está comigo o som e o sol não sei
O sol não advinha baby é magrelinha
(...)”

Canção de *Luiz Melodia

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

O Elefante


“Mas faminto de seres
e situações patéticas,
de encontros ao luar
no mais profundo oceano,
sob a raiz das árvores
ou no seio das conchas,
de luzes que não cegam
e brilham através
dos troncos mais espessos.
Esse passo que vai
sem esmagar as plantas
no campo de batalha,
à procura de sítios,
segredos, episódios
não contados em livro,
de que apenas o vento,
as folhas, a formiga
reconhecem o talhe,
mas que os homens ignoram,
pois só ousam mostrar-se
sob a paz das cortinas
à pálpebra cerrada.”

Imaginação


*“Fabrico um elefante
de meus poucos recursos.
Um tanto de madeira
tirado a velhos moveis
talvez lhe dê apoio.
E o encho de algodão,
de paina, de doçura.
A cola vai fixar
suas orelhas pensas.
A tromba se enovela,
e é a parte mais feliz
de sua arquitetura.
Mas há também as presas,
dessa matéria pura
que não sei figurar.
Tão alva essa riqueza
a espojar-se nos circos
sem perda ou corrupção.
E há por fim os olhos(...)”

Parte do poema “O Elefante” de *Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Poema poroso


*“De terra te quero;
                          poema,
e no entanto iluminado.

                                     De terra
o corpo perpassado de eclipses,
poroso
poema
            de poeira –
            onde berram
suicidas e perfumes;
                                 assim te quero
sem rosto
e no entanto familiar
                               como o chão do quintal
(sombra de todos nós depois
                  e antes de nós
quando a galinha cacareja e cisca).

                                   De terra,
onde para sempre se apagará
                 a forma desta mão
                 por ora ardente.”


Poema encontrado na obra “Barulhos”, de *Ferreira Gullar. Há algo que quer ser revelado e outra força que quer ocultar.

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Amor e Ternura


*“Não sei... Se a vida é curta ou longa demais pra nós, Mas sei que nada do que vivemos tem sentido, Se não tocamos o coração das pessoas. Muitas vezes basta ser: Colo que acolhe, Braço que envolve, Palavra que conforta, Silêncio que respeita, Alegria que contagia, Lágrima que corre, Olhar que acaricia, Desejo que sacia, Amor que promove. (...)é o que dá sentido à vida. É o que faz com que ela não seja nem curta, nem longa demais, Mas que seja intensa, verdadeira, pura...”

*Cora Coralina

sábado, 13 de setembro de 2014

Eu


*“Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada ... a dolorida ...

Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...

Sou aquela que passa e ninguém vê...
(...)

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou!”

*Florbela Espanca

Mistério d'amor



“Um mistério que trago dentro em mim
Ajuda-me
, minh'alma a descobrir...
É um mistério de sonho e de luar
Que ora me faz chorar, ora sorrir!

Viemos tanto tempo tão amigos!
E sem que o teu olhar puro toldasse
A pureza do meu. E sem que um beijo
As nossas bocas rubras desfolhasse!

Mas um dia, uma tarde... houve um fulgor,
Um olhar que brilhou... e mansamente...
Ai, dize ó meu encanto, meu amor:

Porque (...)
Nos olhamos assim tão docemente
Num grande olhar d'amor e de saudade?!”

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Pergunta-me


*"Pergunta-me
se ainda és o meu fogo
se acendes ainda
o minuto de cinza
se despertas
a ave magoada
que se queda
na árvore do meu sangue

Pergunta-me
se o vento não traz nada
se o vento tudo arrasta
se na quietude do lago
repousaram a fúria 
e o tropel de mil cavalos(...)

(...)pergunta-me qualquer coisa
uma tolice
um mistério indecifrável
simplesmente
para que eu saiba
que queres ainda saber
para que mesmo sem te responder
saibas o que te quero dizer.”

*Mia Couto, in “Raiz de Orvalho”

Amor-Perfeito


Naquela nuvem, naquela,
mando-te meu pensamento:
que Deus se ocupe do vento.

Os sonhos foram sonhados,
e o padecimento aceito.
E onde estás, Amor-Perfeito?

Imensos jardins da insônia,
de um olhar de despedida
deram flor por toda a vida.

Ai de mim que sobrevivo
sem o coração no peito.
E onde estás, Amor-Perfeito?

Longe, longe, atrás do oceano
que nos meus olhos se aleita,
entre pálpebras de areia...

Longe, longe... Deus te guarde
sobre o seu lado direito,
como eu te guardava do outro,
noite e dia, Amor-Perfeito.

Motivo


*“Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.”

Eu também canto qual poema de *Cecília Meireles.

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Lua adversa


*“Tenho fases, como a lua.
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.

Fases que vão e que vêm
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.

E roda a melancolia
seu interminável fuso!
Não me encontro com ninguém
(tenho fases, como a lua)

No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu...”

Poesia de *Cecília Meireles

A arte de amar


A Natureza com *Cecília Meireles:

*"Aprendi com a primavera a me deixar cortar. E a voltar sempre inteira."

*"Meus pés vão pisando a terra
Que é a imagem da minha vida:

Tão vazia, mas tão bela
Tão certa, mas tão perdida!"

*"Adestrei-me com o vento e minha festa é a tempestade.

*"Um poeta é sempre irmão do vento e da água: deixa seu ritmo por onde passa."

*"Nunca tive os olhos tão claros e o sorriso em tanta loucura.
Sinto-me toda igual às árvores: solitária, perfeita e pura."

É preciso amar


*“Estátuas e cofres
E paredes pintadas
Ninguém sabe o que aconteceu
Ela se jogou da janela do quinto andar
Nada é fácil de entender.

Dorme agora:
É só o vento lá fora.
Quero colo
Vou fugir de casa
Posso dormir aqui
Com vocês?
Estou com medo tive um pesadelo
Só vou voltar depois das três.

(...)

É preciso amar as pessoas
Como se não houvesse amanhã
Porque se você parar pra pensar,
Na verdade não há.”


Parte da canção *“Pais e Filhos”, composição e música de Legião Urbana.

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Fome


“A mim que desde a infância venho vindo,
como se o meu destino,
fosse o exato destino de uma estrela,
apelam incríveis coisas:
pintar as unhas, descobrir a nuca,
piscar os olhos, beber.
Tomo o nome de Deus num vão.
Descobri que a seu tempo
vão me chorar e esquecer.
(...)
o céu é bruma, está frio, estou feia,
(...): não quero faca nem queijo.
Quero a fome”

É inútil ter queijo se não tenho fome. Mas se estou com fome, vou dar um jeito de arranjar um queijo...

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Sob Medida



“Se você crê em Deus
Erga
as mãos
Para os céus
E agradeça
Quando me cobiçou
Sem querer acertou
Na cabeça
Eu sou sua alma gêmea
(...)
Sou sem nome
E sem lar
Sou aquela
Eu sou filha da rua
Eu sou cria da sua
Costela
Sou bandida
Sou solta na vida
E sob medida
Pros carinhos seus
Meu amigo
Se ajeite comigo
E dê graças a Deus
Se você crê em Deus
Encaminhe
pros céus
Uma prece
E agradeça ao Senhor
Você tem o amor
Que merece.”

Doce Presença


“Sei que mudamos
desde o dia que nos vimos
li nos teus olhos
que escondiam meu destino
luz tão intensa,
a mais doce presença
no universo desse meu olhar
nós descobrimos
nossos sonhos esquecidos
e aí ficamos cada vez mais parecidos
mais convencidos,
quanto tempo perdido
no universo desse meu olhar
como te perder
ou tentar te esquecer
ainda mais que agora sei
que somos iguais e se duvidares,
tens as minhas digitais
 (...)
tenho fé na loucura
de acreditar que sempre

estás em mim.”

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Acordar, viver

Por Lislair Leão Marques

“Como acordar sem sofrimento?
Recomeçar sem horror?
O sono transportou-me
àquele reino onde não existe vida
e eu quedo inerte sem paixão.

Como repetir, dia seguinte após dia seguinte,
a fábula inconclusa,
suportar a semelhança das coisas ásperas
de amanhã com as coisas ásperas de hoje?

Como proteger-me das feridas
que rasga em mim o acontecimento,
qualquer acontecimento
que lembra a Terra e sua púrpura
demente?
E mais aquela ferida que me inflijo
a cada hora, algoz
do inocente que não sou?

Ninguém responde, a vida é pétrea.”

O ronron do gatinho

Por Lislair Leão Marques

"O gato é uma maquininha
que a natureza inventou;
tem pêlo, bigode, unhas
e dentro tem um motor.

Mas um motor diferente
desses que tem nos bonecos
porque o motor do gato
não é um motor elétrico.

É um motor afetivo
que bate em seu coração
por isso faz ronron
para mostrar gratidão.

No passado se dizia
que esse ronron tão doce
era causa de alergia
pra quem sofria de tosse.

Tudo bobagem, despeito,

calúnias contra o bichinho:
esse ronron em seu peito
não é doença -é carinho."

sábado, 6 de setembro de 2014

Prece por Kolody


Uma prece que me encanta: da poetisa *Helena Kolody, quando o amor ficou sendo só um sentimento, um sonho. Ela soube muito bem transformar esses sentimentos em palavras melodiosas. Seus versos carregados de um lirismo puro, que embalam reminiscências de amores de outrora quando não era vergonhosa a expressão verdadeira dos sentimentos:

*“Concede-me, Senhor, a graça de ser boa,
De ser o coração singelo que perdoa,
A solícita mão que espalha, sem medidas,
Estrelas pela noite escura de outras vidas
E tira d’alma alheia o espinho que magoa.”

As sem-razões do amor


*“Eu te amo porque te amo,
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
(...)

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.”

*Carlos Drummond

Poema da purificação


*“Depois de tantos combates
o anjo bom matou o anjo mau
e jogou seu corpo no rio.
As água ficaram tintas
de um sangue que não descorava
e os peixes todos morreram.
Mas uma luz que ninguém soube
dizer de onde tinha vindo
apareceu para clarear o mundo,
e outro anjo pensou a ferida
do anjo batalhador.”

Autoria do poeta, cronista, contista, escritor e tradutor brasileiro, *Carlos Drummond de Andrade. Sua obra traduz a visão de um servidor público individualista comprometido com a realidade social.

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Multiplicar


*"Renova-te.
Renasce em ti mesmo.
Multiplica os teus olhos, para verem mais.
Multiplica os teus braços para semeares tudo.
Destrói os olhos que tiverem visto.
Cria outros, para as visões novas.
Destrói os braços que tiverem semeado,
para se esquecerem de colher.
Sê sempre o mesmo.
Sempre outro.
Mas sempre alto.
Sempre longe.
E dentro de tudo."


Poema de *Cecília Benevides de Carvalho Meireles que foi uma importante poetisa, pintora, professora e jornalista brasileira. É considerada uma das vozes líricas mais importantes das literaturas de língua portuguesa.

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Casamento


“Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como "este foi difícil"
"prateou no ar dando rabanadas"
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
(...)
somos noivo e noiva.”

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Mulher


Sobre a mulher, a escritora Simone de Beauvoir afirma: "Não se nasce mulher: torna-se.” Enquanto para a visão do grande escritor português, José Saramago, no “El Tiempo” em 2007, desabafa: "Se virmos a realidade, as mulheres são mais sólidas, mais objetivas, mais sensatas. Para nós, são opacas: olhamos para elas, mas não conseguimos entrar lá dentro. Estamos tão empapados de uma visão masculina, que não entendemos. Em contrapartida, para as mulheres nós somos transparentes. O que me preocupa é que, quando a mulher chega ao poder, perde isso tudo."

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

O Amor no Éter


*“Há dentro de mim uma paisagem entre meio-dia e duas horas da tarde. Aves pernaltas, os bicos mergulhados na água, entram e não neste lugar de memória, uma lagoa rasa com caniço na margem. Habito nele, quando os desejos do corpo, a metafísica, exclamam: como és bonito! Quero escrever-te até encontrar onde segregas tanto sentimento. Pensas em mim, teu meio-riso secreto atravessa mar e montanha, me sobressalta em arrepios, o amor sobre o natural. O corpo é leve como a alma, os minerais voam como borboletas.(...)”

*Adélia Prado

Com licença poética


*”Quando nasci um anjo esbelto, desses que tocam trombeta, anunciou: vai carregar bandeira. Cargo muito pesado pra mulher, esta espécie ainda envergonhada. Aceito os subterfúgios que me cabem, sem precisar mentir. Não tão feia que não possa casar,(...). Mas, o que sinto escrevo. Cumpro a sina. Inauguro linhagens, fundo reinos (dor não é amargura). Minha tristeza não tem pedigree, já a minha vontade de alegria, sua raiz vai ao meu mil avô. Vai ser coxo na vida, é maldição pra homem. Mulher é desdobrável. Eu sou.”

*Adélia Prado

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Amizade


Pensamentos de *George Eliot, pseudônimo de Mary Ann Evans, uma novelista autodidata britânica. O seu primeiro trabalho literário, foi a tradução da Vida de Jesus de David Strauss, (1844). Usando sua sensibilidade, tema principal dos seus romances é a vida das pessoas simples:

*“A amizade é o conforto indescritível de nos sentirmos seguros com uma pessoa, sem ser preciso pesar o que se pensa, nem medir o que se diz.”

*“Talvez as melhores amizades sejam aquelas em que haja muita discussão, muita disputa e mesmo assim muito afeto.” 

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Fui mirar-me


*“Fui mirar-me num espelho
e era meia-noite em ponto.
Caiu-me o cristal das mãos
como as lembranças do sono.
Partiu-se o meu rosto em chispas
como as estrelas num poço.
Partiu-se meu rosto em cismas
- que era meia-noite em ponto.

Dizei-me se é morte certa,
que me deito e me componho,
fecho os olhos, cruzo os dedos
sobre o coração tão louco.
E digo às nuvens dos anjos:
"Ide-vos pelo céu todo,
avisai a quem me amava
que aqui docemente morro.”

De “Fui Mirar-me” de *Cecília Meireles.

Brâmane


“Plena mata. Silencio. Nem um pio
De ave ou bulir de folha. Unicamente
Ao longe, em suspiros murmúrio,
Do Ganges rola a fulgida serpente.

Sem ter no pétreo corpo um arrepio,
Nu, braços no ar, de joelhos, fartamente,
Esparsa a barba ao peito, na silente
Mata, o Brâmane sonha. Pelo estio,

Ao sol, que os céus abrasa e o chão calcina,
Impassível, a silaba divina
Murmura...E a cólera hibernal do vento

Não ousa à barba estremecer um fio
Do esquelético hindu, rígido e frio,
Que contempla, extasiado, o firmamento.” 

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Farei tudo


*“Desde sempre te amei
e bem sabes que ainda te amo.
Devo esperar toda a vida?
Se quiseres — esperarei.

Se alguma vez te vi
nem sequer teu nome escutei.
Mas isso não faz diferença:
sempre a mesma coisa sentirei.

Eu te amarei por todo o sempre, sempre,
desde a raiz do meu coração
e te amarei quando estivermos juntos
e te amarei na solidão.

Quando finalmente te encontrar
tua canção envolverá o espaço.
Canta bem alto, para eu escutar.
Tudo farei (...)”

*Composição de “Beatles", tradução: Carlos Drummond.

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Potência


"Ai, palavras, ai, palavras,
que estranha potência, a vossa!
Ai, palavras, ai, palavras,
sois de vento, ides no vento,
no vento que não retorna,
e, em tão rápida existência,
tudo se forma e transforma!

Sois de vento, ides no vento,
e quedais, com sorte nova!

Ai, palavras, ai, palavras,
que estranha potência, a vossa!

Todo o sentido da vida
principia à vossa porta;
o mel do amor cristaliza
seu perfume em vossa rosa;
sois o sonho e sois a audácia,
calúnia, fúria, derrota...”


Trecho: “Romance das Palavras Aéreas”

Ai


*“Ai, palavras, ai, palavras,
mirai-vos: que sois, agora?
- Acusações, sentinelas,
bacamarte, algema, escolta;
- o olho ardente da perfídia,
a velar, na noite morta;
- a umidade dos presídios,
- a solidão pavorosa;
- duro ferro de perguntas,
com sangue em cada resposta;
- e a sentença que caminha,
- e a esperança que não volta,
- e o coração que vacila,
- e o castigo que galopa...

Ai, palavras, ai, palavras,
que estranha potência, a vossa!”

Parte do poema “Romance das Palavras Aéreas” de *Cecília Meireles.

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Voar


*“Somos donos de nossos atos,
mas não donos de nossos sentimentos;
Somos culpados pelo que fazemos,
mas não somos culpados pelo que sentimos;
Podemos prometer atos,
mas não podemos prometer sentimentos...
Atos sao pássaros engailoados,
sentimentos são pássaros em vôo.”

*“No fim tu hás de ver que as coisas mais leves são as únicas que o vento não conseguiu levar: um estribilho antigo, um carinho no momento preciso, o folhear de um livro de poemas, o cheiro que tinha um dia o próprio vento...”

Pensamentos de *Mário Quintana.

Ensinamento


*“Minha mãe achava estudo
a coisa mais fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo é o sentimento.
Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,
ela falou comigo:
“Coitado, até essa hora no serviço pesado”.
Arrumou pão e café , deixou tacho no fogo com água quente.
Não me falou em amor.
Essa palavra de luxo.”

Poesia da escritora *Adélia Prado, nasceu em 1935. Ela é escritora e professora por formação. Revitalizou a literatura inserindo a mulher como intelectual, mesmo acumulando as funções domésticas.

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Não há vagas


*“O preço do feijão
não cabe no poema. 

O preço do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão

(...)
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras

- porque o poema, senhores,
está fechado:
“não há vagas”

Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço

O poema, senhores,
não fede
nem cheira.”

*Ferreira Gullar

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Liberdade


“*É se sentir livre
É não mentir e poder sempre dizer a verdade
É fazer tudo quando der vontade
É poder sorrir sempre

Liberdade é ter sempre
Um grande poder de serenidade
De forma que possamos ter um, a identidade
Que esta dentro de nos e se descobre

Liberdade é não ter medo
Mas ter sim o respeito
(...)

Liberdade é um sentimento de contentamento
Ser livre não se significa ter tudo mas um bocado
Para poder mostrar o valor da força do pensamento.”

Poema de *Mário Quintana

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Humildade


*“Tanto que fazer!
livros que não se leem, cartas que não se escrevem,
línguas que não se aprendem,
amor que não se dá,
tudo quanto se esquece.

Amigos entre adeuses,
crianças chorando na tempestade,
cidadãos assinado papéis, papéis, papéis...
até o fim do mundo assinando papéis.

E os pássaros detrás de grades de chuva,
e os mortos em redoma de cânfora.

(E uma canção tão bela!)

Tanto que fazer!
E fizemos apenas isto.
E nunca soubemos quem éramos
nem para quê.”

Poema de *Cecília Meireles publicado em 1964.

Tempo


Tudo tem seu tempo determinado e propósito debaixo do céu, segundo Eclesiastes: "Há tempo de ficar triste e tempo de se alegrar; tempo de chorar e tempo de dançar; tempo de espalhar pedras e tempo de ajuntá-las; tempo de abraçar e tempo de afastar. Há tempo de procurar e tempo de perder; tempo de economizar e tempo de desperdiçar; tempo de rasgar e tempo de remendar; tempo de ficar calado e tempo de falar. Há tempo de amar e de odiar; tempo de guerra e tempo de paz."

Meu coração


“(...)

Meu coração não sabe.
Estúpido, ridículo e frágil é meu coração.
Só agora descubro
como é triste ignorar certas coisas.
(Na solidão de indivíduo
desaprendi a linguagem
com que homens se comunicam.)

Outrora escutei os anjos,
as sonatas, os poemas, as confissões patéticas.
Nunca escutei voz de gente.
Em verdade sou muito pobre.

Outrora viajei
países imaginários, fáceis de habitar,
ilhas sem problemas, não obstante exaustivas e convocando ao suicídio.

(...)”

Parte do poema “Mundo Grande”, nele não cabe as dores do coração, *Carlos Drummond de Andrade.

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Por sorte


*“Nem todas as flores tem a mesma sorte, umas enfeitam a vida e outras enfeitam a morte. Colha o dia como se fosse um fruto maduro que amanhã estará podre. A vida não pode ser economizada para amanhã. Acontece sempre no presente. Por mais independente que a pessoa seja, ela sempre vai precisar do ar pra viver. Sonhe com a vida, mas não perca a vida por um sonho.”

Pois é, as oportunidades não vêm de fora, somos nós quem as fazemos acontecer. Tais palavras de *Bob Marley.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Surpresa


*“Minha vida não foi um romance...
Nunca tive até hoje um segredo.
Se me amar, não digas, que morro
De surpresa... de encanto... de medo...

(...)

Minha vida não foi um romance...
Pobre vida... passou sem enredo...
Glória a ti que me enches de vida
De surpresa, de encanto, de medo!

Minha vida não foi um romance...
Ai de mim... Já se ia acabar!
Pobre vida que toda depende
De um sorriso.. de um gesto.. um olhar...”

*Mário Quintana: “Se me amar, não digas, que morro
De surpresa...”

domingo, 10 de agosto de 2014

Árvores da infância


*”Sob as altíssimas árvores da infância passearemos.
O nosso conhecimento está fora de quaisquer acasos.
Jamais saberíeis pronunciar o nome que atualmente uso.
O rosto que levamos nada tem com os acontecimentos.

Ah! somente as árvores da infância, altíssimas, nos reúnem agora:
houve um tempo anterior, de luz, de cristal, de pureza, de afeto?
Quem quer que sejamos, só nos entendemos por essas auréolas
que pairam sobre nós, translúcidas, fluidas, hesitantes à brisa.”


Parte do belo poema “Sob as árvores da infância, altíssimas, passaremos” da escritora *Cecília Meireles.

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

As peras


*“(...)
As peras, no prato,
apodrecem.
O relógio, sobre elas,
mede
a sua morte?
Paremos a pêndula. De-
teríamos, assim, a
morte das frutas
Oh as peras cansaram-se
de suas formas e de
sua doçura ! As peras,
concluídas, gastam-se no
fulgor de estarem prontas
para nada.
O relógio
não mede. Trabalha
no vazio: sua voz desliza
fora dos corpos.
(…)”

Pela significação das palavras de *Fernando Gullar no seu “Poema Sujo” produzido no exilo em Buenos Aires, faz eu viajar e me leva lembrar a minha infância.

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Evasão


*”Sou um evadido.
Logo que nasci
Fecharam-me em mim,
Ah, mas eu fugi.

Se a gente se cansa
Do mesmo lugar,
Do mesmo ser
Por que não se cansar?

Minha alma procura-me
Mas eu ando a monte,
Oxalá que ela
Nunca me encontre.

Ser um é cadeia,
Ser eu não é ser.
Viverei fugindo
Mas vivo a valer.”

Vivo fugindo, o que importa, se vivo pra valer... “Viajar! Perder países! Ser outro constantemente, Por a alma não ter raízes De viver de ver somente!” também de *Fernando Pessoa.

Alma, por Pessoa


*“Como é por dentro outra pessoa
Quem é que o saberá sonhar?
A alma de outrem é outro universo
Com que não há comunicação possível,
Com que não há verdadeiro entendimento.

Nada sabemos da alma
Senão da nossa;
As dos outros são olhares,
São gestos, são palavras,
Com a suposição de qualquer semelhança
No fundo.”


O que entendemos da alma dos outros é o que imaginamos, apenas, pois é um outro universo que não conhecemos. Tal expressa a poesia do escritor português *Fernando Pessoa, em Poesias Inéditas (1930-1935).

Sorte


*“As coisas que errei na vida
São as que acharei na morte,
Porque a vida é dividida
Entre quem sou e a sorte.

As coisas que a Sorte deu
Levou-as ela consigo,
Mas as coisas que sou eu
Guardei-as todas comigo.

E por isso os erros meus,
Sendo a má sorte que tive,
Terei que os buscar nos céus
Quando a morte tire os véus
À inconsciência em que estive.”

“Só a morte revelará quem fomos em vida inconscientes”. Pelas palavras de *Fernando Pessoa in Novas Poesias Inéditas.

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Agosto


*"Para atravessar agosto é preciso antes de mais nada paciência e fé. Paciência para cruzar os dias sem se deixar esmagar por eles, mesmo que nada aconteça de mau; fé para estar seguro, o tempo todo, que chegará setembro — e também certa não-fé, para não ligar a mínima às negras lendas deste mês de cachorro louco. É preciso quem sabe ficar-se distraído, inconsciente de que é agosto, (...)Então dizer mentalmente ah!, (...)e ir em frente. Este é um ponto importante: ir, sobretudo, em frente.”

*Caio Fernando de Abreu

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Felicidade

Por Lislair Leão Marques

*“Que a felicidade não dependa do tempo, nem da paisagem, nem da sorte, nem do dinheiro. Que ela possa vir com toda simplicidade, de dentro para fora, de cada um para todos. Que as pessoas saibam falar, calar, e acima de tudo ouvir. Que tenham amor ou então sintam falta de não tê-lo. Que tenham ideais e medo de perdê-lo. Que amem ao próximo e respeitem sua dor. Para que tenhamos certeza de que: Ser feliz sem motivo é a mais autêntica forma de felicidade”.

Palavras via *Drummond.

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Fé solúvel


*Ӄ... meu computador
Apagou minha memória
Meus textos da madrugada
Tudo o que eu já salvei

E o tanto que eu vou salvar
Das conversas sem pressa
Das mais bonitas mentiras

Hoje eu não vivo só... em paz
Hoje
eu vivo em paz sozinho
Muitos passarão
Outros tantos passarinho
Muitos passarão

Que o teu afeto me afetou é fato
Agora faça me um favor

Um favor... por favor

A razão é como uma equação
De matemática... tira a prática
De sermos... um pouco mais de nós!”

*Mário Quintana